segunda-feira, 26 de março de 2012

Lendas e Mistérios do Sertão

O município de Pão de Açúcar foi rota do cangaço. Lampião, Maria Bonita, Corisco e muitos outros bandoleiros registram suas passagens em fazendas, sítios e povoados. Estudos afirmam que o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o temido Lampião, passou os últimos quatros da sua vida frequentando os municípios de Pão de Açúcar, Piranhas(em Alagoas), Canindé do São Francisco e Poço Redondo(em Sergipe).  Dentre os lugares frequentados por cangaceiros, em terras pão-de-açucarenses, destacam-se: Novo Gosto, Bom Nome, Emendadas, Meirus, Rua Nova, Bom Conselho, Mundo Novo, Santiago, Ilha do Ferro, Jacarezinho e outros. Nestas localidades eles recebiam a proteção de prósperos fazendeiros, influentes coiteiros do cangaço. E objetivando divulgar alguns episódios envolvendo os cangaceiros e outros personagens temidos no Sertão, tomo a iniciativa de lançar interativamente a série “Lendas e Mistérios do Sertão”. Iniciarei publicando cinco diferentes episódios do cangaço, narrados em livros de autores e pesquisadores. Os fatos estão organizados em cinco capítulos, assim distribuídos:
Capítulo I – Lampião ameaça invadir a cidade de Pão de Açúcar;
Capítulo II  –  Os cangaceiros em Novo Gosto e Bom Nome;
Capítulo III  –  Lampião chicoteia Adail Simas nas cercanias de Santiago
Capítulo IV – Joaquim Rezende tenta a conciliação entre Coronel Lucena e Lampião;
Capítulo V – Lampião e Corisco no Povoado Meirus.

Na sequência destacaremos histórias de lobisomem, nego d´água, caipora e outras figuras lendárias, narradas com convicção por pescadores, caçadores, agricultores, donas de casa e guardas noturnos, uma modesta contribuição para o resgate do rico folclore sertanejo e ribeirinho. 
Desde já, agradeço pelo acesso. Boa leitura!
Helio Silva Fialho
                               

Capítulo I
Lampião ameaça invadir a cidade de Pão de Açúcar

Para evidenciar um dos feitos do Tiro de Guerra nº 656, citarei sua atuação na primeira tentativa de ataque dos bandoleiros de Lampião a Pão de Açúcar.
Era uma tarde do mês de janeiro de 1927, quando chegaram a Pão de Açúcar as primeiras notícias telegráficas, recebidas pelo abnegado telegrafista Arthur Pais de Azevedo, da penetração do grupo de facínoras na fronteira do Estado de Alagoas, com um contingente, mais ou menos, de 120 (cento e vinte) homens, marchando com destino ao município de Pão de Açúcar.
O prefeito do município, Manoel Pereira Filho (Manoelzinho Pereira),ao receber a notícia, dirigiu-se ao presidente do Tiro de Guerra nº 656, para ele obter o apoio no sentido de organizar-se a resistência, a fim de evitar que a cidade fosse invadida pelos bandoleiros. O Presidente na época era o Profº Antonio de Freitas Machado, que logo entrou em contato com o sargento Brabo, um inteligente nordestino, mas duro como madeira de lei, que, cientificado da ocorrência, imediatamente ordenou a Francisco Ferreira (Mestre Chico) que executasse o toque de reunir, em tom acelerado.
Em pouco tempo a sede do Tiro achava-se lotada de atiradores e voluntários. Depois o sargento ordenou a Dionísio Ignácio de Barros(responsável pelo armamento) que fizesse a distribuição de armas e munições ali existentes, a todos. Assumiu o comando da resistência, organizando patrulha de reconhecimento, distribuindo-as nas adjacências da cidade. Organizou também trincheiras com fardos de algodão eletrificadas nas entradas principais da cidade, como seja: Tapajinha, Campo Grande e Barra de D. Maria Jesuína.
É de salientar que uma dessas patrulhas em sua ação de reconhecimento, nas primeiras horas, apresentou serviço, detendo um indivíduo de tez branca e cabelos louros, para averiguação, por considerá-lo um suposto espião a serviço do chefe do grupo de cangaceiros. Ao ser submetido a um interrogatório, articulava as palavras com muita dificuldade, não se sabe se esse comportamento dele era por conveniência ou por se encontrar em estado de debilidade mental. O certo é que o mesmo ficou detido na sede do Tiro de Guerra nº 656 por vários dias, sendo posto em liberdade, depois que o grupo se afastou do município.
Depois dessas medidas de segurança, começou a evacuação das famílias para o Estado de Sergipe, pois nesta altura dos acontecimentos o grupo de bandoleiros de 120(cento e vinte) homens marchava sobre Pão de Açúcar, saqueando, incendiando, enfim, fazendo toda a espécie de misérias. Chegou a aproximar-se da cidade, detendo-se nas fazendas Bom Conselho(propriedade do Sr. Luiz Gonzaga – Gonzagão), e Mundo Novo(propriedade do Sr. Luiz Henrique), sendo que nesta última os componentes do grupo seviciaram a administradora da fazenda, uma senhora conhecida como “Jovina de Seu Manoel Henrique”. Aí permaneceram, comm a finalidade de se certificarem da existência ou não de alguma resistência organizada na cidade.
Entrementes, o “capitão” Virgulino Ferreira da Silva(Lampião) mandava um emissário(“Seu Vidal”, vaqueiro da fazenda Bom Conselho) à cidade, com duas cartas – uma para o Sr. Luiz Gonzaga(Gozagão) e outra ao Sr. Manoel Henrique, exigindo de cada um a importância de 4.000$000(quatro contos de réis), com a condição de que, se por acaso se recusassem de enviar a importância solicitada, seria fuzilado todo o gado, que para tal, já se achava reunido no pátio, - e incendiada as instalações das duas fazendas, como aconteceu.   
Nesta ocasião, entrou em evidência a célebre carta, que foi escrita no balcão da casa comercial de “Sia Marica” de “Seu Luiz Paulo”, redigida pelos senhores Mário Soares Vieira, José Alves Feitosa (Juca) e Manoel Campos, em que um de seus trechos tinha o teor seguinte: “se quisesse tirar raça de homem valente, mandasse a mãe dele aqui para Pão de Açúcar”. Esses senhores, impulsionados pelo ardor do amor à terra, fizeram com que o “Seu Vidal” entregasse a carta ao chefe do grupo de bandoleiros, que em expectativa aguardava a resposta da importância solicitada.
Lampião, ao receber as respostas negativas da referida importância e a carta enviada por Mário Soares Vieira, José Alves Feitosa (Juca) e Manoel Campos, ficou verdadeiramente furioso, e parte para dar vazão a sua cólera, autorizou o fuzilamento de todo o gado de ambas as fazendas, sadicamente com uma observação, no sentido de atirar no olho do animal, quem acertasse na pestana errava. E em revide à carta, que achou provocadora, ordenou aos seus comandados que se preparassem para atacar Pão de Açúcar ao anoitecer.
Entretanto, antes de consumar-se tal ataque, Lampião fez uma consulta ao seu advinho, o cangaceiro conhecido com a alcunha de “Pai Velho”, que previa as cousas boas e más para o grupo, e o mesmo foi notório na sua resposta, aconselhando-o a não tomar tal atitude, pois se assim fizesse, teria o mesmo resultado trágico que obteve em Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte, onde foram mortos os temíveis bandoleiros Jararaca, Colchete e outros que foram aprisionados.
Diante da peremptória resposta de “Pai Velho”, o comandante do grupo se absteve do seu intento de invadir Pão de Açúcar, como havia ordenado minuto antes, apesar das insistências dos cangaceiros Sabino, Volta Seca, Alvoredo e Antonio Ferreira(este último, seu irmão e lugar-tenente).
Os jovens e bravos atiradores, juntamente com alguns voluntários, ao lado do seu instrutor, permaneceram na dura expectativa de dez a quinze dias, à espera do momento da luta que se iria travar, em defesa do patrimônio e da honra da família pão-de-açucarense que se achava ameaçada.
Embora não se consumasse a luta fratricida que era de se esperar, deu-se um acidente de lamentável consequência que redundou na morte de “João de Manoel José”. Este, ao acionar a alavanca do ferrolho do seu fuzil, levou o cartucho à câmara, e ao desfazer o movimento, houve uma pane, que apesar dos esforços por ele empregados, para retirá-la, não conseguiu. Diante disso, irritou-se, batendo com a solteira do fuzil no chão, cujo choque fez com que o cartucho explodisse, rebentando a caixa da culatra, e os estilhaços desprendidos penetraram no seu abdome, causando-lhe uma hemorragia  interna, falecendo minutos após.
Deste trágico episódio só resta deixar aqui registrado um voto de enaltecimento à pessoa de “João de Manoel José”, que, como voluntário, tombou para sempre, no ensejo em que se preparava ao lado dos atiradores, para defender a terra em que nasceu.
Ao então sargento José Ferreira Brabo, atiradores e voluntários acima relacionados nominalmente, e que ainda vivem, rendo aqui um preito de gratidão, pelo desprendimento, bravura e altivez, com que se portaram no momento em que um grupo de facínoras tentava violentar o altar sagrado da família pão-de-açucarense, erguido pelos nossos antepassados. E à memória dos que já morreram, a eles, prestamos também uma homenagem póstuma.
(Texto extraído do livro “Um Lugar no Passado”, do autor Gervásio F. dos Santos, p. 52 a 56, transcrito na íntegra).

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